quarta-feira, 29 de março de 2017

kiss me.


Em 2006, para o terror da nação e o declínio da minha autoestima, eu decidi me mudar de escola. Por algum motivo que ainda não me é claro, minhas únicas duas amigas e eu decidimos que, para a 8ª série, nós precisávamos de novos ares. Precisávamos ir para um lugar diferente. Um lugar mais sério. Lugar de gente adulta, com mais foco no ensino, pois um dia prestaríamos vestibular. Ou, pelo menos, foi o que a gente combinou de dizer para os nossos pais. Olhando para trás, essa justificativa não faz o menor sentido. Nós nem sabíamos direito o que era um vestibular, então só posso concluir que ficamos abatidas demais pelo fato de que Caio e Pedro não seriam parte de nossas vidas no novo ano letivo. E nós sabíamos que nada poderia ser melhor do que o ano anterior. Nada que acontecesse seria capaz de superar os pirulitos, os latidos, e as ligações invasivas. Então, para evitar a frustração, decidimos mudar de ambiente. E mudamos, sim, mas por um erro de logística, fomos separadas. Enquanto Clover foi para o Colégio A, Alex e eu fomos para o colégio B – mas cada uma se matriculou em um turno diferente. A separação não fazia parte do plano, porém, tudo acontece no momento certo. Quando você é adolescente, se separar do seu grupinho de amigas é quase o equivalente a perder uma perna. Até se sentar a duas cadeiras de distância pode parecer um soco no estômago. Mas nesse caso, nós estávamos prontas. Todas nós conseguiríamos caminhar.

E lá estava eu, pronta para começar do zero em um lugar estranho e sem conhecer ninguém. Adeus, Colégio Santa Clara do Nome Fictício. Olá, Escola Nova Com Alto Índice de Aprovação no Vestibular. E é claro que com objetivos tão diferentes, a nova escola nada tinha em comum com o meu amado colégio de freiras. Não tinha o pátio enorme, nem os porteiros que todo mundo conhecia pelo nome, muito menos o hino da instituição (que todos precisavam aprender a cantar, sob pena de reclusão e multa). Não tinha o moço que vendia balas na saída, nem o tio do churros. Ninguém fazia orações antes do início das aulas - inclusive, naquele ano, tive meu primeiro contato com um professor ATEU - e, nas semanas dos feriados religiosos, ninguém nos levava para passar metade da aula rezando na capela. Aliás, eles sequer tinham uma capela. O cenário da minha vida escolar havia mudado drasticamente, e por mais que mudar fosse o objetivo, eu estava surpresa. Na minha cabeça, todo colégio seria tão acolhedor quanto aquele onde passei cinco anos da minha vida, e as diferenças ficariam a cargo apenas de alguns alunos e dos professores. Mas não era bem assim. A nova diretora não era obcecada por Noites Traiçoeiras e, andando pelos corredores, não havia Caio e Pedro, nem Victor, nem mil garotas se reunindo diariamente para admirar um garoto ou dois. E aquilo era estranho.

Então, no meu primeiro dia na escola nova, olhei ao meu redor e me senti completamente sozinha. E, mais do que sozinha, eu me senti feia. É claro que eu já me sentia feia antes. No meu currículo, aquela era uma das minhas especialidades. Mas agora era muito mais evidente. Nós estávamos crescendo, e a impressão que eu tinha era a de que eu não conseguia acompanhar. Na oitava série, as garotas estavam mais vaidosas, e continuar feia era quase um crime. Quase um crime também seria gostar do mesmo garoto que a sua amiga. Acabaria em duelo em frente à cantina. Morte certa. Reportagem no noticiário local. Na oitava série, as relações já não eram tão platônicas assim, e se uma garota gostasse de um garoto, e ele gostasse dela de volta, poderia acabar até em gravidez. E, seguindo essa lógica, ter fã clube para pessoas acessíveis pegaria mal. Mas é claro que continuávamos adolescentes, e ainda havia espaço para tudo o que vem junto dessa fase, hum, maravilhosa. No colégio novo eu fiz amizades, cresci e me diverti bastante. E entre questionamentos, risadas e crises de autoestima, aquele foi o lugar perfeito para eu ter o meu primeiro contato com a realidade – e fugir dela o mais rápido possível.

A DERROCADA DA AUTOESTIMA

Eu nunca tive uma relação muito boa com o espelho. E eu quero dizer literalmente, mesmo. Por anos da minha vida, eu não conseguia encarar o meu reflexo, e tinha plena certeza de que eu era o ser humano mais horrendo e nojento da face da Terra. Para o meu azar, sempre acabei sendo amiga de meninas bonitas, populares e completamente o oposto de mim. Meninas que sabiam que eram bonitas e amavam passar horas no banheiro da escola admirando a própria imagem, enquanto conversavam sobre garotos que também não se cansavam de admirá-las. E eu não conseguia me identificar com nada daquilo. Nem com o amor próprio, nem com a facilidade para falar de si mesma, e muito menos com a atenção do sexo oposto. Eu apenas ficava lá, focada em sorrir e acenar com a cabeça, com medo de que percebessem que aquela situação para mim era tortura. E, claro, evitava sempre olhar para o espelho, porque ao lado das minhas amigas, minha feiura era mil vezes pior. Eu odiava o meu rosto, odiava o meu corpo, odiava a cor da minha pele e, ah, como eu odiava meu cabelo. Era muita injustiça algumas pessoas já nascerem assim, privadas da chance de serem bonitas. Porque, na minha cabeça, aquilo era impossível para pessoas como eu. Nenhuma garota bonita que eu via nas novelas, nos filmes ou no pátio da escola se parecia comigo. Elas sempre tinham a pele clara, cabelos lisos, traços delicados e eram consideradas “meigas e fofas”. Eu não era nada daquilo, e não poderia ser. E isso me entristecia, porque eu queria ser meiga e fofa também. Mas okay. Se eu não podia ser meiga e fofa, eu odiaria toda e qualquer garota meiga e fofa que se atrevesse a cruzar o meu caminho. Era uma forma de lidar com a situação, e apesar de não ser a ideal, ajudava um pouco.
Mas tudo se agravou em 2006, quando eu me mudei para a Escola Nova Com Alto Índice de Aprovação. No colégio de freiras, ninguém falava muita coisa sobre o meu tom de pele ou o meu cabelo. É claro que vez ou outra eu ouvia comentários que me chateavam, mas não era algo tão presente. As pessoas eram mais amigáveis e, durante a maior parte do tempo, nós éramos crianças. Na escola antiga, apesar de tudo, eu sabia que eu era mais do que a minha aparência. Mesmo não sendo bonita, eu tinha outras qualidades. Por exemplo, eu era engraçada (algo que eu só percebi porque me disseram), e quem me conhecia gostava de mim por causa disso. Mas na escola nova, justamente por não conhecer ninguém - e meus novos colegas não saberem do meu vasto repertório de piadas - minha aparência era tudo que eu tinha para conseguir me encaixar. Ou seja, eu estava ferrada.
As garotas de lá eram muito bonitas. Já no primeiro dia, dei de cara com as gêmeas, Maiara e Maraísa, que fizeram conservatório comigo e com quem eu voltaria a estudar naquele ano. Elas estavam lindas. Facilmente as garotas mais bonitas da 8ª série. E como se uma só não bastasse, elas ainda vinham em dobro. Elas tinham a pele morena também, mas os cabelos eram longos e lisos, e os olhos levemente puxadinhos. Pareciam duas índias. Eu sentia muita inveja. Porque elas ficaram bonitas e eu não? Talvez se meu cabelo fosse liso, eu pudesse ser índia também... Meh. Eu sabia que meu problema não era só aquele. Era melhor deixar pra lá.
O tempo foi passando e, mesmo depois de me enturmar e fazer amizades, eu continuava a me sentir um peixe fora d’água. Não é fácil escutar diariamente comentários ofensivos vindo de pessoas que você gosta. Especialmente quando elas encaram tudo como uma brincadeira, e você está tão acostumado a se sentir invisível que nem sabe que, se quisesse, poderia reclamar. Então, ficava por isso mesmo. Trabalho de geografia sobre a África? “A terra da Gabriela!!!!!!!”. Alguém perdia uma lapiseira? “A Gabriela roubou kkkkkkkkkk”. E é claro que, boa atriz como sou, eu apenas ria junto com todo mundo, enquanto rezava em silêncio para Deus me levar, caso contrário eu iria sozinha.
Eu, boa atriz, rindo das piadas ofensivas.

A situação era tão precária que certa vez, durante a aula de artes, um colega disse que ia me desenhar para representar a FEIURA. Tudo bem, ele não falou isso do nada. Eu fiz uma brincadeirinha com o garoto antes, mas isso não importa. Você não diz coisas assim para uma lady. Isso machuca a lady. Faz a lady acreditar que vai morrer sozinha, intocada, e rodeada de gatos, mesmo só tendo cachorros. Mas tudo bem, Matheus. Eu te perdoo. Espero que você saiba que eu estou linda agora, e que além de linda, também estou evoluída.  Parei de rezar pela sua morte*. Você está livre.

Na verdade, não perdoo não. Vai se ferrar, filho da p-.

*nenhuma morte foi desejada durante a confecção deste post.

Eu era o abaporu da sala.

Se insegurança fosse um poder, na oitava série eu seria o Goku. Ninguém teria mais força que eu. Eu poderia derrotar qualquer vilão em questão de segundos, e nenhuma outra pessoa precisaria me ajudar. É uma pena que o negócio funcione exatamente da forma contrária. Na oitava série, eu me tornei incapaz de acreditar em qualquer elogio direcionado a mim. Eu não conversava com nenhum garoto, e evitava olhá-los nos olhos porque sentia que estavam sempre me julgando, sempre me avaliando mesmo sem eu ter pedido.  Eu só interagia com aqueles que eu acreditava serem gays, como era o caso de Brutus, que gostava de cultura pop e era sempre legal comigo.
Um dia, durante o recreio, Brutus me disse que um amigo dele me achava bonita, e tinha vontade de me conhecer. Ah, não. Até tu, Brutus? Eu ali, confiando no cara, quando de repente ele também decide se juntar ao grupinho dos que acham divertido humilhar pessoas? É claro que eu não acreditei em nada do que ele disse, já que nunca, na minha existência até então, garotos haviam demonstrado algum interesse por mim. E eu não julgava não. Eu super entendia os garotos. Aí apenas ri de nervoso e sai correndo, deixando Brutus sozinho, me olhando com cara de tacho. Um tempo depois, passei a me perguntar se ele poderia estar realmente dizendo a verdade. Existia alguém que via beleza na minha versão 8ª série? 

HAAAAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHA.

Claro que não.

Bem, pelo menos não enquanto eu estava no meu modo disfarce, indo para a aula de cabelo preso e ostentando as sobrancelhas que eu cultivava desde que nasci. Como gosto de acreditar, Deus nos dá a comédia romântica que estamos preparados para viver. E nem sempre a comédia romântica tem um cara. Tá, eu também acho muito mais legal quando aparece o Freddie Prinze Jr., mas às vezes tudo o que você precisa é de você mesma, e de um vestido da sua mãe. E aí, como toda boa garota invisível de filmes colegial, seu momento Ela É Demais pode bater na sua porta.

SHE’S ALL THAT

Era o aniversário de Amanda Borges. Aquela seria não só a primeira festa que eu frequentaria como membro oficial da 8ª série, mas também minha primeira festa de 15 anos DA VIDA. Mas, antes de chegarmos lá, é preciso um pouco de contexto.
Amanda Borges era uma das minhas novas amigas na Escola Com Alto Índice de Aprovação no Vestibular. Éramos um grupinho de quatro, que no ano seguinte se tornaria um grupinho de três, mas nós não sabíamos ainda. O importante é que, à época do aniversário de Amanda, a formação ainda estava completa.
Como toda boa amizade que já tive nesta vida, o que nos uniu foi o amor por uma coisa em comum. Sim, ainda no começo do ano, percebi que três garotas naquele colégio gostavam da mesma coisa que eu. E é claro que eu estou falando de Rebelde, a melhor novela de todos os tempos que, não por acaso, também havia dado origem ao melhor grupo de todos os tempos: RBD. Vez ou outra eu observava Amanda e Jaqueline sentando juntas, falando sobre o último capítulo da novela e cantando as músicas a plenos pulmões. Algumas pessoas podiam considerar aquilo irritante, mas eu não. Eu queria me aproximar. Eu observava também Cintia – aluna nova, como eu -, que só se sentava sozinha e sempre chegava na sala ouvindo o álbum Nuestro Amor em seu CD player. Então, simples assim, eu já sabia que tinha encontrado minha galera naquela turma. Só faltava minha galera me encontrar também.
Um dia, enquanto esperávamos em fila pela nossa vez de receber VISTO OURO da professora de Matemática, resolvi que era o meu momento de arriscar. Amanda e Jaqueline estavam um pouco atrás de mim e, para variar, falavam de RBD. Cintia também não estava muito longe, o que tornava o momento ainda mais perfeito. Resolvi ser discreta, mas demonstrar interesse ao mesmo tempo. Ser sexy sem ser vulgar. As dicas da Capricho para ajudar a chamar a atenção do gato certamente dariam certo quando o assunto era amizade também. O que eu poderia fazer para deixar claro que nós gostávamos da mesma coisa e que cada segundo que passávamos sem formar uma gangue e ir para o México era um desperdício imenso? Tomada por esse pensamento, peguei o giz e escrevi no quadro, como quem não quer nada:

SANTA NO SOY !

Discreta. Interessada. Sexy sem ser vulgar.
Não sei se aquela foi a escolha de música perfeita, mas certamente deixou um impacto. Depois de receber meu visto ouro e voltar para o meu lugar, vi Amanda e Jaqueline notando a frase no quadro e perguntando quem tinha escrito aquilo. Eu levantei a mão com muita calma, pois não queria deixar claro que era tudo um plano, e depois de receberem o visto, elas vieram conversar comigo. Cintia veio também, e no outro dia, já estávamos todas nos revezando para escutar Nuestro Amor no seu CD player. E assim começamos nossa amizade, marcada por muitos gritos, risadas, e uma visita à diretoria (nós realmente gritávamos demais).

Pronto, acho que agora podemos voltar para a festa.

Como eu ia dizendo, o aniversário de Amanda Borges não só seria minha primeira presença VIP em eventos depois de ter me mudado de escola, mas também a primeira festa de 15 anos que eu iria na minha vida. E nós aprendemos desde muito cedo que festas de 15 anos são importantes. A de Amanda não seria daquelas tradicionais, com valsa e frufrus. Seria algo pequeno, para os amigos. Mas ainda assim era uma festa, era de 15 anos, e eu precisaria me arrumar.
Eu estava nervosa. Eu não poderia ir para uma festa do mesmo jeito que eu ia para a aula, até porque a calça jeans que eu usava sempre nem devia estar limpa. Eu teria de usar alguma coisa nova, e para o meu desespero, as pessoas poderiam me notar. E eu não queria ser notada. Quer dizer, eu sonhava com o dia em que eu descobriria que era neta da Rainha de Genovia, e passaria por uma transformação que me deixaria linda. Aí sim, esbanjando meu novo cabelo e meu título de princesa, eu desfilaria pela minha cidade só para humilhar aqueles que um dia haviam duvidado do meu potencial (incluindo você, Matheus, que me chamou de feia). Mas eu ainda não estava naquela parte do filme. Não mesmo. Eu estava longe, muito longe, e não poderia me arriscar.  
Minha mãe, por outro lado, não poderia estar mais feliz. Uma festa!!! Com pessoas!!! E quem sabe, garotos!!! Finalmente ela teria uma chance de me embonecar. Ou, pelo menos, de me convencer a fazer as sobrancelhas. E assim foi feito. Fui para o salão de beleza e hidratei o cabelo, pintei as unhas, fiz as sobrancelhas. Eu tinha muita resistência a fazer escova naquela época, porque além de chato e demorado, ainda queimava minha cabeça. Sem contar que aparecer com o cabelo liso seria mais um motivo para todo mundo reparar em mim, e não era isso o que eu queria. Então, continuei com o cabelo cacheado mesmo e, a cada dez segundos, rezava uma Ave Maria para ele não armar. Quanto a roupa, eu só decidi o que iria usar no último segundo. A festa era simples, então não queria nada espalhafatoso demais. E eu também era simples, portanto, não carregaria nada espalhafatoso demais. Aí acabei usando um vestido longo, porém básico, da minha mãe (algo que dizia “sou de humanas, mas nem tanto”), e coloquei um par de brincos que ela me emprestou. Literalmente, foi tudo o que eu fiz. Soltei o cabelo, fiz as sobrancelhas, vesti um vestido e usei brincos. Ah, passei batom também. E lá fui eu para a tal festa, morrendo de insegurança, e torcendo para ninguém dizer nada quando eu aparecesse. E não, eu não estava confiante. Antes de sair de casa, quando me olhei no espelho, eu não me achei bonita nem nada assim. Eu estava acostumada a me ver de cabelo solto, e passava batom de vez em quando, quando saía com meus pais. No meu reflexo, não tinha nada que indicasse que aquela tinha sido minha transformação. Nada dizia que eu finalmente era a princesa de Genovia. Aliás, até hoje não sei como tive coragem de ir para uma festa usando meu cabelo natural e solto, sabendo o quão desconfortável eu me sentia quando o deixava assim. Era como se eu saísse do meu próprio corpo, só para não ter de lidar com as consequências de carregar aquele peso na minha cabeça. Mas eu fui, e o resultado foi, hum, difícil de acreditar.
Sabe nos filmes, quando depois da transformação, a protagonista aparece em público pela primeira vez e todo mundo olha para ela? Parece até que o tempo para. Ela vem em câmera lenta, e aos poucos podemos ver a roupa que ela está vestindo, o novo corte de cabelo e que, uau, ela não está mais usando óculos. E aí cortam para o Freddie Prinze Jr., claramente apaixonado, olhando para a garota como se ela fosse a coisa mais incrível que ele já viu. Bem, tirando a parte do Freddie, foi exatamente o que aconteceu quando cheguei na festa de Amanda. Eu podia sentir todo mundo olhando para mim, e era tão constrangedor que eu cogitei seriamente cavar um buraco e me jogar lá dentro. Veja bem, na minha cabeça, ninguém estava olhando para mim porque eu estava linda. Eles estavam olhando para mim porque eu estava diferente. Porque eu havia ousado me arrumar. Porque, na tentativa de me tornar apresentável, eu havia falhado miseravelmente. E também porque meu cabelo muito provavelmente já estava alcançando o céu e indo de encontro às estrelas.
Mas aí eu me aproximei, e qual não foi a minha surpresa ao receber... Elogios?

“Meu deus, Gabriela!!! Você tá, tipo, perfeita!! Eu não tô acreditando que é você!!!”  dizia Regina, garota popular com a qual eu raramente conversava.
“Eu sempre falei que ela era bonita!!! Só tinha que se arrumar.” respondeu Maraísa, uma das gêmeas, como se eu não estivesse lá.
“Nossa, mas ela tá tipo, perfeita!!!” continuava Regina, sempre muito empolgada. Ninguém nunca havia me chamado de perfeita antes, muito menos duas vezes.

Eu apenas agradeci e tentei processar todos os comentários. Então quer dizer que eu estava bonita? Mesmo com o cabelo natural? Que. Bizarro. E por que eu não conseguia ver essa beleza toda? Mas tudo bem. Aquilo era legal. Claro que não faltaram comentários do tipo “Você tá tão bonita (êêêê), nem parece você (aaaaaah)” mas, ei. Saber que uma versão minha poderia ser bonita, ainda que ela não se parecesse comigo, não era tão ruim. Era melhor do que nada.
Aos poucos, comecei a me sentir mais à vontade. Naquela noite, eu não precisava ser Gabriela Stewart. Eu poderia ser Hannah Montana – uma prima distante que era bonita e que não se parecia muito comigo. Então, eu dancei bastante com as minhas amigas (outra coisa inédita para os colegas lá presentes), e até consegui conversar com pessoas novas. Por uma noite, mesmo que brevemente, eu consegui sentir que me encaixava. E tudo isso só aconteceu porque eu fui capaz de me sentir um pouco melhor em relação a minha aparência. Porque me validaram. Porque, pela primeira vez em muito tempo, eu não me senti inferior.
Claro que Hannah Montana não ficou para tomar café. No outro dia, eu era apenas Gabriela Stewart novamente: o mesmo rabo de cavalo, a mesma sensação de que não deveria estar ali. E eu continuaria a ser Gabriela Stewart por muito tempo, até conseguir entender que ela e Hannah Montana eram exatamente a mesma pessoa. Lembro que, naquele dia, Amanda ligou me convidando para ir para a casa dela, porque o resto do bonde já estava lá. E as meninas ficaram gritando no telefone que não conheciam meu “outro lado”, e que eu dançava mais do que a Gretchen. E eu me senti feliz e querida. Eu senti que tinha uma identidade.

Meu sonho sempre foi me tornar princesa de Genovia, e finalmente humilhar aqueles que um dia duvidaram do meu potencial. Mas, no fim das contas, a pessoa que mais duvidava do meu potencial era eu mesma. E eu não quero humilhar minha versão da 8ª série. Minha doce, querida, sonhadora versão da 8ª série. Afinal de contas, ela só queria sentir que pertencia a algum lugar. Eu quero ser a melhor amiga que ela nunca teve – a melhor amiga que eu não fui. E eu quero que ela confie em mim. Porque eu a conheço. E por mais que eu tenha crescido, mudado, e consiga ver as coisas de outra maneira, eu sei pelo que ela passou - e eu sei que ela continua aqui. Sempre que eu me sinto inferior, desconfortável, ou desvio o olhar quando alguém olha para mim, eu me lembro daquela garota. E eu não quero que ela vá embora. Eu só quero que ela se sinta em casa.
Sabe nos filmes, quando depois da transformação, a protagonista aparece em público pela primeira vez e todo mundo olha pra ela? Parece até que o tempo para. Ela vem em câmera lenta, e aos poucos podemos ver a roupa que ela está vestindo, o novo corte de cabelo e que, uau, ela não está mais usando óculos. E aí cortam para o Freddie Prinze Jr., claramente apaixonado, olhando para a garota como se ela fosse a coisa mais incrível que ele já viu. Bem, às vezes, o Freddie Prinze Jr. tem que ser você.









sábado, 4 de março de 2017

velha infância.

Então, logo depois de Victor, vieram os garotos do terceiro ano. Eles eram altos. Eles eram mais velhos. E eles não davam a mínima para a gente.

SOLTA A VINHETA.

Caio e Pedro.

O ano era 2005, e Caio e Pedro eram os reis do colégio de freiras onde eu estudava. Na pirâmide hierárquica que abrangia do ensino fundamental ao ensino médio, eles ocupavam o topo – e não só porque estavam no último ano. Havia um consenso universal de que aqueles eram os garotos mais bonitos de toda a escola, e deviam ser tratados como tais. E, claro, eles sabiam disso.
Caio e Pedro nunca andavam sozinhos. Estavam sempre acompanhados de um grupo fixo de amigos e, aonde quer que fossem, eram seguidos como se estivessem guiando a humanidade em direção à Nova Era – seja ela qual fosse. Eles tinham privilégios. Muitas vezes não precisavam pegar a fila da cantina, e duvido que algum deles já tenha estudado de verdade para alguma prova um dia. Ou feito algum trabalho. Eles eram tratados como popstars, e como todo bom popstar, precisavam de seu próprio fã clube. Mesmo sem saber, Caio e Pedro pediam por garotas adolescentes e escandalosas dispostas a inflar egos e, eventualmente, atrapalhar noites de sono. Bem, isso não seria mais um problema, pois nós estávamos prestes a chegar. 


"Nós somos mais populares que Jesus Cristo." Caio, provavelmente, em algum momento de 2005.


A fila de admiradores de Caio e Pedro era longa, e ia dos bebês do maternal até as professoras. As garotas os desejavam. Os garotos queriam ser como eles (e, ok, tenho certeza de que vários garotos os desejavam também). E lá atrás, afogadas na multidão, estávamos nós: as meninas da 7ª série. Mas nós não estávamos dispostas a ficar no fim da fila por muito tempo e, antes mesmo da metade do ano, já éramos conhecidas como a maior piada da escola.
A 6ª série era importante. Nós tínhamos fama. Dinheiro. Mulheres. Poder. Tudo bem, talvez não. Mas nós definitivamente tínhamos a vantagem de sermos os mais velhos do turno vespertino. Porém, de manhã o sistema era outro. A 7ª série não tinha prestígio algum. Na verdade, éramos uns dos mais novos dali, e mal sabíamos que estávamos prestes a perder qualquer dignidade que ainda nos restasse. Se gostar de um menino um ano mais novo era suicídio social, correr atrás dos dois garotos mais bonitos do terceiro ano configurava um novo nível de humilhação. Mas nós? Nós não ligávamos. E saíamos de casa todo dia unicamente para passar vergonha.   
Tudo começou no início do ano letivo, quando todas as garotas da turma conversavam empolgadíssimas sobre o filho de um dos professores de Educação Física. Aparentemente, ele era bonito, e tinha outro amigo bonito também. E, de repente, tínhamos tanto com o que nos ocupar que Victor, o mini Taylor Hanson, se tornava apenas uma memória deixada em 2004.
Mas vamos ao que interessa: o perfil de cada um.
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CAIO:
Sexo: Masculino.

Filiação: O pai era um dos professores de Educação Física. A mãe, não sei.

Altura: Muito alto.

Olhos: Azuis.

Cor do cabelo: Loiro escuro? Castanho claro?

Comprimento do cabelo: Longo, ia até a metade da bochecha.

Nariz: Grande.

Superpoderes: Andar em câmera lenta. Jogar o cabelo para trás de cinco em cinco minutos. Ser alto e jogar vôlei.

Citação favorita: “Elogios não me elevam, ofensas não me rebaixam. Sou o que sou e não o que acham.” (DESCONHECIDO, Autor).

PEDRO:
Sexo: Masculino.

Filiação: Não era filho de professor, então a gente não se importava. 

Altura: Nem tão alto assim.

Olhos: Castanhos.

Cor do cabelo: Castanho escuro.

Comprimento do cabelo: Longo. Maior que o de Caio.

Nariz: Normal.

Superpoderes: Andar em câmera lenta. Passar a mão no cabelo. Ser um pouco mais acessível.

Citação favorita: Provavelmente a letra de alguma música do Blink 182.
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Não vou negar, aquele foi um ano abençoado em nossas vidas. Não sei se meus critérios eram baixos, ou se Deus realmente foi bom assim com a gente, mas muitos garotos bonitos transitavam pelos corredores do Colégio Santa Clara do Nome Fictício. Talvez fosse por isso que os professores nos levavam para passar tanto tempo rezando na capela, ou nos obrigavam a ouvir a diretora cantando Noites Traiçoeiras no auditório: tínhamos que purificar os pensamentos pecaminosos que habitavam nossas mentes o tempo inteiro. Sim, Caio e Pedro estavam em outro nível. Mas gostaria de deixar aqui uma menção honrosa a todos os outros garotos mais velhos que fizeram parte do nosso despertar sexual. Meninos, muito obrigada. Agora, vamos continuar.

OS PIRULITOS

Como eu disse antes, não precisou de muito tempo para que nos tornássemos a grande piada da escola. “Por quê?”, vocês me perguntam. Bem, motivo não faltava. Começou gradualmente. No início, nós observávamos Caio e Pedro de longe. Perdíamos o ar e dávamos gritinhos sempre que os dois jogavam o cabelo para trás ao mesmo tempo (!), ou passavam em câmera lenta perto de nós. E até aí tudo bem. Mas a coisa começou a sair de controle quando outras meninas tomaram atitudes mais corajosas.
Um dia, Mari, uma colega de turma, resolveu levar um pacote de pirulitos para a aula. Não era para a gente, nem para ela, e sim para Caio e Pedro. Nós estávamos chocadas com a audácia. “Mentira que você vai fazer isso!!!”, exclamávamos em uníssono. “Você é, tipo, muito louca.”. Mas Mari sabia o que estava fazendo. Durante o recreio, ela e suas amigas hesitaram um pouco para se aproximar, mas tomaram coragem e deram um pirulito para cada um. Nós assistíamos a cena de longe, morrendo de vergonha alheia e também um pouquinho de inveja, mas até que a ideia era boa. Claro que elas não dariam o pacote inteiro. Elas eram espertas. Se dessem o pacote inteiro, eles jamais voltariam. Mas um pirulito só? Demonstrava autocontrole. Sem contar que eles esperariam o mesmo tipo de tratamento nos dias seguintes. E, sem a parte do autocontrole, foi exatamente o que aconteceu.
Todos os dias, Mari e suas amigas levavam um pacote de pirulito para o colégio, e Caio e Pedro se esbaldavam na vida de ídolo teen. Afinal, quem não gosta de bajulação e pirulito de graça? Agora eles já ganhavam mais de um, e os amigos deles começaram a lucrar também. Mari e suas amigas eram espertas, mas não eram de ferro. Terem sido notadas pelos reis do colégio foi o necessário para que elas esquecessem a dignidade e, em pouco tempo, as meninas já compravam mais de um pacote por semana. Elas mudaram também o modus operandiem vez de entregarem pessoalmente, passaram a jogar os pirulitos pela janela da nossa sala, que dava exatamente para o corredor onde eles passavam o intervalo entre as aulas. Coincidência? Acho que não. Destino? Com certeza.
O tempo foi passando e descobrimos que só distribuir pirulitos não era o suficiente. A 7ª série precisava de mais. A 7ª série precisava de algo que deixasse claro que nós não tínhamos um pingo de amor próprio, e que estávamos bem assim. Seguindo esse raciocínio, algumas garotas da minha sala começaram a se reunir na janela não só para jogar pirulitos, mas para latir sempre que Caio e Pedro passassem pelo corredor. Sim, eu disse latir. E é claro que eu não fazia isso. Eu era educada. E também muito tímida, então preferia ficar quieta. E, mesmo achando ridículo, eu não podia negar que pelo menos era engraçado. Então, tudo bem, eu não latia, mas não fazia muita diferença. Assim como as outras, eu também ficava na janela esperando algum deles passar, e se alguém me visse ali, me incluiria no bonde das cachorras da mesma forma.
Tenho certeza de que, ao escutarem o primeiro latido, Caio e Pedro perceberam a dimensão do que estava acontecendo. Eles haviam criado um monstro, e não tinha para onde correr. Além de pirulitos e carinho no ego, nós também daríamos para eles muita dor de cabeça.

INFORMAÇÕES CONFIDENCIAIS

Certa vez, as garotas convocaram uma reunião na saída da aula porque precisavam compartilhar algo urgente: não sei como, e a gente não podia perguntar, mas elas tinham conseguido o número do celular de Caio.

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA.

Era a melhor informação de todos os tempos. Sabe o que nós poderíamos fazer com aquilo? LOUCURAS. Nós poderíamos ligar para ele e dizer “alô”. Ou poderíamos esperar ele atender, gritar bem alto e desligar. Enfim, ideias não faltavam, nem motivação, e o pobre do Caio teve de lidar com garotas eufóricas ligando para ele vinte e quatro horas por dia. Minhas amigas e eu éramos um pouco mais comportadas, então ficávamos no esquema “ligaaí-aimeudeusdocéu-alô?-AAAAAAAAAAAAAAAAA-DESLIGA!”, mas é claro que havia as mais ousadas. Mari, por exemplo, disse uma vez no viva-voz: “vem apagar meu fogo”, ao que Caio, ainda bem humorado, respondeu: “não paguei a conta de água”, e fez todo mundo rir.  Ah, essa era a época das ligações de três segundos, o que deixava tudo ainda mais emocionante. Invadir a privacidade alheia hoje em dia pode ser mais fácil, mas no início dos anos 2000 era muito mais divertido.

JOGOS, GINCANA E CANTADAS

Uma das melhores épocas do ano letivo era quando acontecia a gincana e os jogos internos. Era sempre legal não ter aula direito por uma semana e poder xingar os coleguinhas das outras turmas sem se preocupar com advertência. Mas o melhor de tudo era assistir o cara (ou caras, pois foi um ano de fartura) que você gostava praticando esportes. Foi durante os jogos internos que descobrimos que Caio não só jogava vôlei, como também o fazia de cabelo PRESO. A onda do man bun (em português: coque de macho) ainda não existia, então podemos dizer que Caio era revolucionário. Ou só prático mesmo, já que para quem tem o cabelo maior, prendê-lo ou fazer um coque é simplesmente questão de lógica. Enfim, nós estávamos em uma fase de recalque – que será explicada a seguir -, e não tínhamos maturidade para ver homem usando rabinho de cavalo, então fingíamos que era ridículo. Mas eu, pelo menos, achava que ele ficava bonito. Nós íamos para o ginásio da escola todos os dias de tarde só para assistir aos jogos do 3º ano, mesmo quando nossa turma jogava no mesmo horário. Os meninos da 7ª C conseguiriam se virar sozinhos. Nós tínhamos coisas mais importantes para fazer.
Durante a gincana, fizeram um desfile para escolher o Garoto e a Garota Colégio Santa Clara Do Nome Fictício, e é claro que Caio teve de participar. Afinal de contas, aquele título já era dele, só precisavam oficializar. Minhas amigas e eu estávamos prontamente posicionadas em frente à passarela, e no momento em que Caio veio em nossa direção, cometi meu maior ato de coragem até hoje. Gritei a plenos pulmões: "SEU PAI É UM ARTISTA!!!", e deixei aquelas palavras ecoando no ar. Sabe, foi engraçado, porque todos nós sabíamos quem o pai dele era. Ele ouviu. Acho que ele riu também, mas eu posso ter imaginado. Minhas amigas riram com certeza. Velha infância começou a tocar na minha cabeça, e aquele foi basicamente o momento mais íntimo que nós já tivemos.

QUANDO O AMOR VIRA ÓDIO

Depois do episódio do celular e dos latidos incessantes na janela, certa hostilidade começou a rolar entre Caio, Pedro, o terceiro ano e a sétima série. De repente, era guerra. Você não poderia ser do 3º ano e simpatizar com alguém da 7ª série C, e vice-versa. E, caso esse alguém fosse familiar, era melhor romper o vínculo. Sim, todo mundo gosta de ser bajulado, mas há limites. E os limites com Caio e Pedro foram ultrapassados quando pirulitos se transformaram em latidos, e conversas de três segundos no celular deixaram de ser engraçadas e tornaram-se irritantes.
Mesmo desoladas pela rejeição, resolvemos agir com maturidade. Aqueles dois achavam que eram alguma coisa? Que eram deuses gregos, e podiam simplesmente nos ignorar na cara dura?  As coisas não funcionam assim, parceiro. Você simplesmente não brinca com garotas de 13 anos que têm muito tempo livre nas mãos.
Na época, todo mundo já usava Orkut, então achamos que seria inteligente e divertido se criássemos uma comunidade chamada “Odeio Garotos Metidos”, e usássemos uma foto de Caio, o garoto mais metido do mundo, para representar nosso objeto de repúdio. Em pouco tempo, todo mundo da escola já sabia da existência da comunidade, e era bem óbvio que só podia ser obra da 7ª série. Claro que, além de infantis, também ficamos com fama de recalcadas. Mas, ei, nós fomos notadas!!!! Caio logo entrou na comunidade e começou a postar nos tópicos, e mesmo trocando farpas, a gente conversava (a maioria de nós só postava em modo anônimo, óbvio. Euzinha inclusa).
Caio, ao descobrir o que tínhamos aprontado. 

 Mas, sabe, não era só recalque. Era desespero também. Nós só queríamos atenção. Nós queríamos ser adultas o suficiente, queríamos ser levadas a sério. E, claro, cyberbullying (outro termo que não existia na época, então também fomos pioneiras) foi a melhor forma que encontramos para conseguir isso.
Nós zoávamos Caio e Pedro, eles nos zoavam de volta, e ficava por isso mesmo. Eles nos achavam ridículas, nós os achávamos lindos. Eles queriam nos matar, nós só queríamos perder o BV. Desde o começo, quando tudo o que eles queriam era pirulitos, nossos interesses eram distintos demais. Não teria como dar certo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eu nunca gostei de Caio, assim, de verdade. Sim, eu o achava lindo, e, claro, sonhava acordada com ele também. Mas foi algo muito mais coletivo. Nós realmente parecíamos um fã-clube, e era disso que eu gostava. Era divertido dividir aquilo com as outras garotas, e eu gostava da adrenalina, das risadas, da emoção. Gostava de ir para a aula todas as manhãs sabendo que um dia seria diferente do outro. Que sempre que Caio e Pedro aparecessem, meu coração bateria mais forte, e sem muito esforço, eu poderia escutar o coração de mais vinte meninas batendo no mesmo ritmo. Eu amava poder viver o lado feliz e doce de ser adolescente, mesmo que na época eu acreditasse que a adolescência fosse durar a vida inteira. E, de certa forma, eu ainda acredito. Mas eu não sabia que as memórias daqueles anos eventualmente se tornariam meu lugar seguro. Um cantinho que eu revisitaria sempre que precisasse me lembrar de que a felicidade e a magia que tanto vemos nos filmes existem, e que é tudo uma questão de tempo, lugar, e um pouquinho de inocência.
E era isso. Nunca passei dias ouvindo Marjorie Estiano pensando em Caio (até porque a música oficial dele era Velha Infância), nem sentia inveja do sol que aquecia Pedro. Era algo tão distante que não conseguia nem me imaginar namorando um deles, e minha imaginação sempre foi ótima. Eu tenho certeza de que eles nunca vão se esquecer das garotas loucas da sétima série, apesar de não conseguirem identificar a maioria de nós. E nós não poderíamos nos esquecer dos micos que pagamos juntas nem se quiséssemos. Mas foi legal, foi divertido, e foi uma história. E, no fim das contas, é isso que importa.

Agora, antes de finalizar, um apelo:

(Câmera 1, foca de novo em mim. DJ, solta aí Noites Traiçoeiras.)

Caio e Pedro, eu sei que vocês nem sabem quem eu sou. Para vocês, eu era apenas um pirulito sem rosto.  Só mais uma menina latindo na multidão. E, de verdade, eu não me importo. Mas, ao contrário de Victor, vocês existem. Vocês estão por aí vivendo a vida, utilizando redes sociais, dando o ar da graça pelas ruas e deixando uma marca no planeta. Então, se por acaso encontrarem esse texto, ignorem, porque eu não estava falando de vocês. Okay, eu estava, mas olha... Eu nem falei mal de ninguém. Tudo o que eu fiz foi encher vossas bolas. Vocês foram populares durante o colégio e, de brinde, ainda ganharam uma versão romantizada de tudo o que aconteceu. E, se quiserem minha opinião, é algo do que se gabar. Dá para anexar esse texto no currículo. Mostrar para a esposa ou namorada. Guardar e ler para os filhos um dia, ou promover uma reunião da turma de 2005 só para exibirem isso num telão. As opções são muitas, e todas elas são adoráveis. Muito, muito melhores do que um processo.
E, vamos combinar, vocês se sentiram nostálgicos, não? Ah, ótimo. Eu também. Aquele pátio, aquela escola... O amor da diretora por Noites Traiçoeiras... Certamente, um dos melhores anos da minha vida. E, mesmo sem terem a intenção, vocês fizeram parte dele. Então, obrigada.
Obrigada também por não me processarem. Sabia que poderia contar com vocês.
Até mais, e um beijo da 7ªC. 

(E, sim, Caio, a citação favorita era do seu Fotolog. A foto da comunidade a gente tirou de lá também. Desculpa.) 



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Maira Gall