sexta-feira, 17 de junho de 2022

Nada será como antes.

Tenho pensado demais no passado, e em como eu costumava ser.

Meu cabelo, meu corpo, minha esperança, minha aparência, meu jeito de agir.
Cada nova tentativa de voltar a ser o que eu era quase prova que não dá mais.
Que não posso mais ter o que eu era antes como parâmetro, porque o que eu era antes não mais existe.
A ideia é começar de novo.
É reaprender tudo do início, num processo de tentativa e erro.
E como é frustrante tentar e errar.
Como é assustador.

Tô reaprendendo a como usar meu cabelo, como me vestir, me maquiar.
Quando recebi o Louco como carta tema do ano, não imaginei que seria assim.

Só percebi como os últimos dois anos me transformaram completamente essa semana,
com a lua cheia em sagitário, iluminando o que antes eu não conseguia ver.
Parece que a compreensão vem às prestações, assim como a mudança.

'O que está se encerrando? O que estou deixando pra trás?'
A Morte. O Mundo. O Enforcado. Cartas que se repetem.
E de ontem pra hoje acho que finalmente entendi

De alguma forma eu morri em 2019, e isso me dói.
Gostava de quem eu era ali.
De alguma forma eu sabia mais sobre mim, ou sabia o que precisava saber.
Sabia os caminhos, os atalhos, as estruturas.
Gostava do que eu fazia, de como eu parecia.
Gostava de pra onde eu ia. Do que eu sentia que ia conseguir.

Agora eu tateio no escuro, e é estranho viver o processo de dissolução enquanto se dissolve.
É estranho tomar uma nova forma quando ainda não se sabe qual a forma é.
É assustador se entregar sem saber o que vai receber.
É difícil ter fé.

E se eu nunca mais for tão legal, tão interessante?
Alguém ainda vai gostar de mim, se a melhor versão de mim já passou?
E se o melhor que eu podia ser eu já fui, e ninguém viu, ninguém experimentou?

E se eu não for tão legal, divertida, criativa, magra, bonita de novo?
E se eu não puder mais sonhar, nem tentar?
O que eu faço com o medo aqui dentro?
E se nada acontecer?

Como é difícil desapegar.
Como é difícil deixar ir quem a gente foi, quem a gente poderia ter sido.
Como é difícil confiar.
Como é difícil não saber.

O que eu faço com o medo aqui dentro?
E se nada acontecer?

Eu não quero me perder, mas parece ser parte do processo.

A parte mais assustadora da mudança é o salto de fé.
A parte mais sagrada da mudança é o salto de fé.
O momento em que é preciso pular mesmo sem saber o que te espera.
'Ainda não inventaram um jeito de ir e ficar ao mesmo tempo', diz Clarissa Pinkola Estés.
O jeito é ir.

Ouvi no início do ano 'sua vida nova vai te custar a antiga', e vejo as palavras ganharem vida e nitidez, revelando o seu significado.

Talvez o passado pareça melhor porque o passado já foi, e você não se lembra dele direito.

 


domingo, 12 de junho de 2022

Já convivi o suficiente com coisas vivas pra perceber que ficamos quietos antes de morrer


Reparando o comportamento de lagartixinhas que aparecem no meu banheiro observei que elas se preparam pra morrer. Ficam quietas. Paradinhas no mesmo canto. Mal se movimentam, não importa o que você faça. Parece uma preparação intuitiva, de quem entende a ordem natural das coisas e é sábio o suficiente pra não resistir.


A vida vai se esvaindo pouco a pouco até não existir mais.
E elas deixam.

Nos ciclos de vida-morte-vida é natural ficar parado antes de morrer. O corpo pede, a alma sabe.
A necessidade de quietude antecede a morte, os momentos de transformação. A gente precisa de descanso. De presença. Acontece quando a gente menstrua, quando a lua míngua, quando chega o outono, um mês antes do nosso aniversário...

E se ficar parado antecede a morte, ficar parado é pulsão de morte. Porque a vida é movimento, uma dança entre controle e entrega, ou, como a definição de música mais conhecida: combinação de sons e silêncio.

Não dá pra morrer e continuar vivendo ao mesmo tempo, mas é preciso morrer pra continuar vivendo.

E eu escrevo tanto sobre isso, escrevo até as mesmas coisas. A cada dia acho que internalizo um pouco mais do que teoricamente eu já sei. Deixo de apenas saber, e passo a entender, num nível interno e pessoal de quem não apenas leu e ouviu sobre, mas também ritualizou, viveu e integrou.

Lembro de uma palestra da professora e filósofa Lucia Helena Galvão, onde ela cita outro filósofo cujo nome não me lembro, mas me recordo do que ele dizia: qualquer homem solto na natureza, em algum momento, começa a observar os movimentos da vida selvagem e, a partir deles, deduzir leis. Deduz também a existência de um divino, algo maior, transcendental, mais poderoso. Então, ele olha para si, e percebe que as leis naturais também se aplicam a ele.
Eventualmente, e numa progressão bastante lógica, ele compreende que entre ele, o divino e a natureza, não existe qualquer diferença.

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Maira Gall