esses 2 anos de solidão me fizeram
muito mal. parece que eu morri um pouco. esqueci completamente quem eu era, e
eu nem sabia direito. o pouquinho que eu lutei pra encontrar. mas a falta de
companhia, de reflexo, só deixou mais claro o quão só eu realmente estava.
estou. nos últimos dois meses melhorou um pouco. senti as portas começarem a se
abrir, ventos novos começarem a soprar.
mas todos os dias à noite dói. não
ter com quem falar, me compartilhar. não ter alguém que genuinamente sinta
interesse por mim. que me olhe com curiosidade.
meus relacionamentos são todos
errados. começam errados na raiz. eu não aprendi a receber, nem a me
compartilhar. aprendi a me colocar no lugar da que sempre escuta, nunca fala,
por puro medo de que o foco da conversa se mova pra mim, e descubram o que
torna minha existência tão vergonhosa e errada. e assim fui por 29 anos, sem me
permitir receber quase nada. escondendo o que mais precisa ser visto,
protegendo o que é mais vulnerável, resguardando o que não vão entender.
para a grande maioria das plantas
não haveria esperanças de vida depois de tanto tempo sem água. talvez meu
espírito seja um cacto.
coloco os holofotes e o destaque em
quem quer que esteja comigo, e posso passar horas conversando com alguém sem
dizer nada ou quase nada sobre mim. e o mais doloroso é perceber que muitas
vezes a outra pessoa não se importa em só falar. quando percebi isso dia desses
— como eu engajava em direcionar a conversa para a outra pessoa, e o
desconforto que senti quando ela perguntou sobre mim, o impulso que tive de
desconversar e defletir, foi como a revelação de mais uma camada da realidade
sendo exposta. notar que faço isso desde que me entendo por gente doeu e me
libertou na mesma medida.
nunca me senti tão só e triste
quanto em 2021. nunca doeu tanto. fui sumindo aos poucos e até meu cérebro
parou de funcionar. e meus braços. e eu não conseguia conversar, escrever,
criar, não conseguia fazer nada. nada que fizesse eu me sentir que sou eu
mesma. nada que lembrasse os outros de que eu existo também. e a sensação de
que eu estava desaparecendo só aumentava.
a noção de que você precisa fazer algo pra que as pessoas gostem de
você é talvez das coisas mais cruéis que inventamos. um ciclo que se
retroalimenta. é desesperador.
há anos não me sinto mais
engraçada, e isso me deixa triste. há anos sinto que não me acham mais engraçada, na verdade. há
anos mal convivo com pessoas pessoalmente e minhas relações estão na bolha da
internet. há anos perco a confiança de falar o que me vem à cabeça, por medo de
me odiarem. ser engraçada foi um dos primeiros traços de identidade que
atribuíram a mim, por isso a noção de perdê-lo me desnorteia tanto. quem eu sou,
se não me enxergam? do que sou feita? sou grata por nesses momentos sempre
aparecer alguma coisa pra me lembrar. geralmente é o jonathan larson. foi ele
em 2010 e ele em 2021 de novo.
em 2021 comecei a fazer caminhada
todos os dias. foi uma das coisas que me salvou. sair de casa, ver gente,
sentir o cheiro de pessoas, esbarrar em alguém por engano, interagir com
estranhos, ouvir os sons do mundo lá fora, trechos de conversa, ver luzes
acesas nos apartamentos; me perguntar se alguém que habitava por detrás daquelas
janelas vivia a vida que eu queria pra mim. e a existência dessa vida em algum
lugar, mesmo que ainda não aqui, me fazia tão feliz.
sinto que estou passando por uma
mudança tão intensa que não sei o que vai permanecer e o que não mais vai se
encaixar quando eu chegar ao fim dela. tô morrendo e renascendo de dentro pra
fora e o processo é horrível e mágico na mesma proporção. a borboleta que
pousou em mim no fim de 2019 teve seus motivos. e tô feliz por, finalmente, estar
aprendendo a morrer.
eu quero ter fé e esperança. mas
tenho medo de acreditar. se esse ano for mais um em que não tenho ninguém por
perto, não sei se aguento. não acho que vai ser. estou ativamente dando passos
para que não seja o caso desde maio do ano passado. e o fim do ano pra mim já
foi tão diferente. sinto muito orgulho dos passos que dei, dos desafios que
enfrentei, sabendo o quão difícil é pra mim fazer essas coisas. o que eu mais
tenho medo é de gente. e é do que eu mais preciso também.
li ontem num post sobre amor
próprio de uma psicóloga que sentimento nenhum nasce no vácuo, porque somos
seres sociais, e na hora comecei a chorar. porque é isso. fui criada no vácuo e
minha vida desde então é lutar pra sair de lá. me materializar na realidade. existir no
espaço-tempo. deixar alguém entrar.
eu quero redescobrir quem eu sou,
quero estar onde me valorizem. quero encontrar minha família de origem, a que
também busca por mim. assim como o patinho feio, com quem me identifico desde
antes de entender o porquê. e quero ajuda pra chegar lá.
acho curioso e bonito que durante
os anos em que maior parte do mundo passa a sentir medo de pessoas,
desesperadamente decido me abrir pra elas. sou grata pela minha capacidade de
aprender com o contraste, de querer a realidade, ainda que ela doa.
a anestesia à solidão excruciante
que vivo desde criança, e os mecanismos de sobrevivência que adotei pra
sobreviver, perderam por completo o efeito em 2021.
foi um ano 1, um ano difícil, um
ano de crescimento e de resiliência. um ano em que tudo o que não funcionava entrou
em crise pra ser fortalecido. foi também um ano bom. mágico. de lições
importantes. um ano de retorno de saturno em aquário, na casa 11.
no primeiro semestre, mais precisamente em 26 de maio de 21, dia de eclipse, e um dos dias mais especiais que vivi, vi colado num poste um papel com os dizeres “pegue o que você precisa”, com opções que iam de amor a fé. pareceu sincronicidade, me senti num filme. certa do que eu queria e precisava fazer, peguei pra mim a coragem.
e
aos 29 com o retorno de saturno, decidi começar a viver.