segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

29

esses 2 anos de solidão me fizeram muito mal. parece que eu morri um pouco. esqueci completamente quem eu era, e eu nem sabia direito. o pouquinho que eu lutei pra encontrar. mas a falta de companhia, de reflexo, só deixou mais claro o quão só eu realmente estava. estou. nos últimos dois meses melhorou um pouco. senti as portas começarem a se abrir, ventos novos começarem a soprar.

mas todos os dias à noite dói. não ter com quem falar, me compartilhar. não ter alguém que genuinamente sinta interesse por mim. que me olhe com curiosidade.

meus relacionamentos são todos errados. começam errados na raiz. eu não aprendi a receber, nem a me compartilhar. aprendi a me colocar no lugar da que sempre escuta, nunca fala, por puro medo de que o foco da conversa se mova pra mim, e descubram o que torna minha existência tão vergonhosa e errada. e assim fui por 29 anos, sem me permitir receber quase nada. escondendo o que mais precisa ser visto, protegendo o que é mais vulnerável, resguardando o que não vão entender.

para a grande maioria das plantas não haveria esperanças de vida depois de tanto tempo sem água. talvez meu espírito seja um cacto.

coloco os holofotes e o destaque em quem quer que esteja comigo, e posso passar horas conversando com alguém sem dizer nada ou quase nada sobre mim. e o mais doloroso é perceber que muitas vezes a outra pessoa não se importa em só falar. quando percebi isso dia desses — como eu engajava em direcionar a conversa para a outra pessoa, e o desconforto que senti quando ela perguntou sobre mim, o impulso que tive de desconversar e defletir, foi como a revelação de mais uma camada da realidade sendo exposta. notar que faço isso desde que me entendo por gente doeu e me libertou na mesma medida.

nunca me senti tão só e triste quanto em 2021. nunca doeu tanto. fui sumindo aos poucos e até meu cérebro parou de funcionar. e meus braços. e eu não conseguia conversar, escrever, criar, não conseguia fazer nada. nada que fizesse eu me sentir que sou eu mesma. nada que lembrasse os outros de que eu existo também. e a sensação de que eu estava desaparecendo só aumentava.

a noção de que você precisa fazer algo pra que as pessoas gostem de você é talvez das coisas mais cruéis que inventamos. um ciclo que se retroalimenta. é desesperador.

há anos não me sinto mais engraçada, e isso me deixa triste. há anos sinto que não me acham mais engraçada, na verdade. há anos mal convivo com pessoas pessoalmente e minhas relações estão na bolha da internet. há anos perco a confiança de falar o que me vem à cabeça, por medo de me odiarem. ser engraçada foi um dos primeiros traços de identidade que atribuíram a mim, por isso a noção de perdê-lo me desnorteia tanto. quem eu sou, se não me enxergam? do que sou feita? sou grata por nesses momentos sempre aparecer alguma coisa pra me lembrar. geralmente é o jonathan larson. foi ele em 2010 e ele em 2021 de novo.

em 2021 comecei a fazer caminhada todos os dias. foi uma das coisas que me salvou. sair de casa, ver gente, sentir o cheiro de pessoas, esbarrar em alguém por engano, interagir com estranhos, ouvir os sons do mundo lá fora, trechos de conversa, ver luzes acesas nos apartamentos; me perguntar se alguém que habitava por detrás daquelas janelas vivia a vida que eu queria pra mim. e a existência dessa vida em algum lugar, mesmo que ainda não aqui, me fazia tão feliz.

sinto que estou passando por uma mudança tão intensa que não sei o que vai permanecer e o que não mais vai se encaixar quando eu chegar ao fim dela. tô morrendo e renascendo de dentro pra fora e o processo é horrível e mágico na mesma proporção. a borboleta que pousou em mim no fim de 2019 teve seus motivos. e tô feliz por, finalmente, estar aprendendo a morrer.

eu quero ter fé e esperança. mas tenho medo de acreditar. se esse ano for mais um em que não tenho ninguém por perto, não sei se aguento. não acho que vai ser. estou ativamente dando passos para que não seja o caso desde maio do ano passado. e o fim do ano pra mim já foi tão diferente. sinto muito orgulho dos passos que dei, dos desafios que enfrentei, sabendo o quão difícil é pra mim fazer essas coisas. o que eu mais tenho medo é de gente. e é do que eu mais preciso também.

li ontem num post sobre amor próprio de uma psicóloga que sentimento nenhum nasce no vácuo, porque somos seres sociais, e na hora comecei a chorar. porque é isso. fui criada no vácuo e minha vida desde então é lutar pra sair de lá.  me materializar na realidade. existir no espaço-tempo. deixar alguém entrar.

eu quero redescobrir quem eu sou, quero estar onde me valorizem. quero encontrar minha família de origem, a que também busca por mim. assim como o patinho feio, com quem me identifico desde antes de entender o porquê. e quero ajuda pra chegar lá.

acho curioso e bonito que durante os anos em que maior parte do mundo passa a sentir medo de pessoas, desesperadamente decido me abrir pra elas. sou grata pela minha capacidade de aprender com o contraste, de querer a realidade, ainda que ela doa.

a anestesia à solidão excruciante que vivo desde criança, e os mecanismos de sobrevivência que adotei pra sobreviver, perderam por completo o efeito em 2021.

foi um ano 1, um ano difícil, um ano de crescimento e de resiliência. um ano em que tudo o que não funcionava entrou em crise pra ser fortalecido. foi também um ano bom. mágico. de lições importantes. um ano de retorno de saturno em aquário, na casa 11.

no primeiro semestre, mais precisamente em 26 de maio de 21, dia de eclipse, e um dos dias mais especiais que vivi, vi colado num poste um papel com os dizeres “pegue o que você precisa”, com opções que iam de amor a fé. pareceu sincronicidade, me senti num filme. certa do que eu queria e precisava fazer, peguei pra mim a coragem.

e aos 29 com o retorno de saturno, decidi começar a viver.



Nenhum comentário

Postar um comentário

© buy on itunes
Maira Gall