Em 2006, para o
terror da nação e o declínio da minha autoestima, eu decidi me mudar de escola.
Por algum motivo que ainda não me é claro, minhas únicas duas amigas e eu
decidimos que, para a 8ª série, nós precisávamos de novos ares. Precisávamos ir
para um lugar diferente. Um lugar mais sério. Lugar de gente adulta, com mais
foco no ensino, pois um dia prestaríamos vestibular. Ou, pelo menos, foi o que
a gente combinou de dizer para os nossos pais. Olhando para trás, essa
justificativa não faz o menor sentido. Nós nem sabíamos direito o que era um
vestibular, então só posso concluir que ficamos abatidas demais pelo fato de
que Caio e Pedro não
seriam parte de nossas vidas no novo ano letivo. E nós sabíamos que nada
poderia ser melhor do que o ano anterior. Nada que acontecesse seria capaz de
superar os pirulitos, os latidos, e as ligações invasivas. Então, para evitar a
frustração, decidimos mudar de ambiente. E mudamos, sim, mas por um erro de
logística, fomos separadas. Enquanto Clover foi para o Colégio A, Alex e eu
fomos para o colégio B – mas cada uma se matriculou em um turno diferente. A
separação não fazia parte do plano, porém, tudo acontece no momento certo.
Quando você é adolescente, se separar do seu grupinho de amigas é quase o
equivalente a perder uma perna. Até se sentar a duas cadeiras de distância pode
parecer um soco no estômago. Mas nesse caso, nós estávamos prontas. Todas nós
conseguiríamos caminhar.
E lá estava eu, pronta para começar do zero em um lugar estranho e sem conhecer ninguém. Adeus, Colégio Santa Clara do Nome Fictício. Olá, Escola Nova Com Alto Índice de Aprovação no Vestibular. E é claro que com objetivos tão diferentes, a nova escola nada tinha em comum com o meu amado colégio de freiras. Não tinha o pátio enorme, nem os porteiros que todo mundo conhecia pelo nome, muito menos o hino da instituição (que todos precisavam aprender a cantar, sob pena de reclusão e multa). Não tinha o moço que vendia balas na saída, nem o tio do churros. Ninguém fazia orações antes do início das aulas - inclusive, naquele ano, tive meu primeiro contato com um professor ATEU - e, nas semanas dos feriados religiosos, ninguém nos levava para passar metade da aula rezando na capela. Aliás, eles sequer tinham uma capela. O cenário da minha vida escolar havia mudado drasticamente, e por mais que mudar fosse o objetivo, eu estava surpresa. Na minha cabeça, todo colégio seria tão acolhedor quanto aquele onde passei cinco anos da minha vida, e as diferenças ficariam a cargo apenas de alguns alunos e dos professores. Mas não era bem assim. A nova diretora não era obcecada por Noites Traiçoeiras e, andando pelos corredores, não havia Caio e Pedro, nem Victor, nem mil garotas se reunindo diariamente para admirar um garoto ou dois. E aquilo era estranho.
Então, no meu
primeiro dia na escola nova, olhei ao meu redor e me senti completamente
sozinha. E, mais do que sozinha, eu me senti feia. É claro que eu
já me sentia feia antes. No meu currículo, aquela era uma das minhas
especialidades. Mas agora era muito mais evidente. Nós estávamos crescendo, e a
impressão que eu tinha era a de que eu não conseguia acompanhar. Na oitava
série, as garotas estavam mais vaidosas, e continuar feia era quase um crime.
Quase um crime também seria gostar do mesmo garoto que a sua amiga. Acabaria em
duelo em frente à cantina. Morte certa. Reportagem no noticiário local. Na
oitava série, as relações já não eram tão platônicas assim, e
se uma garota gostasse de um garoto, e ele gostasse dela de volta, poderia
acabar até em gravidez. E, seguindo essa lógica, ter fã clube para pessoas
acessíveis pegaria mal. Mas é claro que continuávamos adolescentes, e ainda
havia espaço para tudo o que vem junto dessa fase, hum, maravilhosa. No colégio
novo eu fiz amizades, cresci e me diverti bastante. E entre questionamentos,
risadas e crises de autoestima, aquele foi o lugar perfeito para eu ter o meu
primeiro contato com a realidade – e fugir dela o mais rápido possível.
A DERROCADA DA
AUTOESTIMA
Eu nunca tive uma
relação muito boa com o espelho. E eu quero dizer literalmente, mesmo. Por anos
da minha vida, eu não conseguia encarar o meu reflexo, e tinha plena certeza de
que eu era o ser humano mais horrendo e nojento da face da Terra. Para o meu azar,
sempre acabei sendo amiga de meninas bonitas, populares e completamente o
oposto de mim. Meninas que sabiam que eram bonitas e amavam passar horas no
banheiro da escola admirando a própria imagem, enquanto conversavam sobre
garotos que também não se cansavam de admirá-las. E eu não conseguia me
identificar com nada daquilo. Nem com o amor próprio, nem com a facilidade para
falar de si mesma, e muito menos com a atenção do sexo oposto. Eu apenas ficava
lá, focada em sorrir e acenar com a cabeça, com medo de que percebessem que
aquela situação para mim era tortura. E, claro, evitava sempre olhar para o
espelho, porque ao lado das minhas amigas, minha feiura era mil vezes pior. Eu
odiava o meu rosto, odiava o meu corpo, odiava a cor da minha pele e, ah, como
eu odiava meu cabelo. Era muita injustiça algumas pessoas já nascerem assim,
privadas da chance de serem bonitas. Porque, na minha cabeça, aquilo era
impossível para pessoas como eu. Nenhuma garota bonita que eu via nas novelas,
nos filmes ou no pátio da escola se parecia comigo. Elas sempre tinham a pele
clara, cabelos lisos, traços delicados e eram consideradas “meigas e fofas”. Eu
não era nada daquilo, e não poderia ser. E isso me entristecia, porque eu
queria ser meiga e fofa também. Mas okay. Se eu não podia ser meiga e fofa, eu
odiaria toda e qualquer garota meiga e fofa que se atrevesse a cruzar o meu
caminho. Era uma forma de lidar com a situação, e apesar de não ser a ideal,
ajudava um pouco.
Mas tudo se agravou
em 2006, quando eu me mudei para a Escola Nova Com Alto Índice de
Aprovação. No colégio de freiras, ninguém falava muita coisa sobre o meu
tom de pele ou o meu cabelo. É claro que vez ou outra eu ouvia comentários que
me chateavam, mas não era algo tão presente. As pessoas eram mais amigáveis e,
durante a maior parte do tempo, nós éramos crianças. Na escola antiga, apesar
de tudo, eu sabia que eu era mais do que a minha aparência. Mesmo não sendo
bonita, eu tinha outras qualidades. Por exemplo, eu era engraçada (algo que eu
só percebi porque me disseram), e quem me conhecia gostava de mim por causa
disso. Mas na escola nova, justamente por não conhecer ninguém - e meus novos
colegas não saberem do meu vasto repertório de piadas - minha aparência era
tudo que eu tinha para conseguir me encaixar. Ou seja, eu estava ferrada.
As garotas de lá eram
muito bonitas. Já no primeiro dia, dei de cara com as gêmeas, Maiara e Maraísa,
que fizeram conservatório comigo e com quem eu voltaria a estudar naquele ano.
Elas estavam lindas. Facilmente as garotas mais bonitas da 8ª série. E como se
uma só não bastasse, elas ainda vinham em dobro. Elas tinham a pele morena
também, mas os cabelos eram longos e lisos, e os olhos levemente puxadinhos.
Pareciam duas índias. Eu sentia muita inveja. Porque elas ficaram bonitas e eu
não? Talvez se meu cabelo fosse liso, eu pudesse ser índia também... Meh.
Eu sabia que meu problema não era só aquele. Era melhor deixar pra lá.
O tempo foi passando
e, mesmo depois de me enturmar e fazer amizades, eu continuava a me sentir um peixe
fora d’água. Não é fácil escutar diariamente comentários ofensivos vindo de
pessoas que você gosta. Especialmente quando elas encaram tudo como uma
brincadeira, e você está tão acostumado a se sentir invisível que nem sabe que,
se quisesse, poderia reclamar. Então, ficava por isso mesmo. Trabalho de
geografia sobre a África? “A terra da Gabriela!!!!!!!”. Alguém perdia
uma lapiseira? “A Gabriela roubou kkkkkkkkkk”. E é claro que, boa atriz
como sou, eu apenas ria junto com todo mundo, enquanto rezava em silêncio para
Deus me levar, caso contrário eu iria sozinha.
Eu, boa atriz, rindo das piadas ofensivas. |
A situação era tão
precária que certa vez, durante a aula de artes, um colega disse que ia me
desenhar para representar a FEIURA. Tudo bem, ele não falou isso do nada. Eu
fiz uma brincadeirinha com o garoto antes, mas isso não importa. Você não diz
coisas assim para uma lady. Isso machuca a lady. Faz
a lady acreditar que vai morrer sozinha, intocada, e rodeada
de gatos, mesmo só tendo cachorros. Mas tudo bem, Matheus. Eu te perdoo. Espero
que você saiba que eu estou linda agora, e que além de linda, também estou
evoluída. Parei de rezar pela sua morte*. Você está livre.
Na verdade, não
perdoo não. Vai se ferrar, filho da p-.
*nenhuma morte foi
desejada durante a confecção deste post.
Se insegurança fosse
um poder, na oitava série eu seria o Goku. Ninguém teria mais força que eu. Eu
poderia derrotar qualquer vilão em questão de segundos, e nenhuma outra pessoa
precisaria me ajudar. É uma pena que o negócio funcione exatamente da forma contrária.
Na oitava série, eu me tornei incapaz de acreditar em qualquer elogio
direcionado a mim. Eu não conversava com nenhum garoto, e evitava olhá-los nos
olhos porque sentia que estavam sempre me julgando, sempre me avaliando mesmo
sem eu ter pedido. Eu só interagia com aqueles que eu acreditava serem
gays, como era o caso de Brutus, que gostava de cultura pop e era sempre legal
comigo.
Um dia, durante o
recreio, Brutus me disse que um amigo dele me achava bonita, e tinha vontade de
me conhecer. Ah, não. Até tu, Brutus? Eu ali, confiando no
cara, quando de repente ele também decide se juntar ao grupinho dos que acham
divertido humilhar pessoas? É claro que eu não acreditei em nada do que ele
disse, já que nunca, na minha existência até então, garotos haviam demonstrado
algum interesse por mim. E eu não julgava não. Eu super entendia os garotos. Aí
apenas ri de nervoso e sai correndo, deixando Brutus sozinho, me olhando com
cara de tacho. Um tempo depois, passei a me perguntar se ele poderia estar realmente
dizendo a verdade. Existia alguém que via beleza na minha versão 8ª
série?
HAAAAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHA.
Claro que não.
Bem, pelo menos não
enquanto eu estava no meu modo disfarce, indo para a aula de cabelo
preso e ostentando as sobrancelhas que eu cultivava desde que nasci. Como gosto
de acreditar, Deus nos dá a comédia romântica que estamos preparados para
viver. E nem sempre a comédia romântica tem um cara. Tá, eu também acho muito
mais legal quando aparece o Freddie Prinze Jr., mas às vezes tudo o
que você precisa é de você mesma, e de um vestido da sua mãe. E aí, como toda
boa garota invisível de filmes colegial, seu momento Ela É Demais pode bater na
sua porta.
SHE’S ALL THAT
Era o aniversário de
Amanda Borges. Aquela seria não só a primeira festa que eu frequentaria como
membro oficial da 8ª série, mas também minha primeira festa de 15 anos DA VIDA.
Mas, antes de chegarmos lá, é preciso um pouco de contexto.
Amanda Borges era uma
das minhas novas amigas na Escola Com Alto Índice de Aprovação no
Vestibular. Éramos um grupinho de quatro, que no ano seguinte se tornaria
um grupinho de três, mas nós não sabíamos ainda. O importante é que, à época do
aniversário de Amanda, a formação ainda estava completa.
Como toda boa amizade
que já tive nesta vida, o que nos uniu foi o amor por uma coisa em comum. Sim,
ainda no começo do ano, percebi que três garotas naquele colégio gostavam da
mesma coisa que eu. E é claro que eu estou falando de Rebelde, a melhor novela
de todos os tempos que, não por acaso, também havia dado origem ao melhor grupo
de todos os tempos: RBD. Vez ou outra eu observava Amanda e Jaqueline sentando
juntas, falando sobre o último capítulo da novela e cantando as músicas a
plenos pulmões. Algumas pessoas podiam considerar aquilo irritante, mas eu não.
Eu queria me aproximar. Eu observava também Cintia – aluna nova, como eu -, que
só se sentava sozinha e sempre chegava na sala ouvindo o álbum Nuestro
Amor em seu CD player. Então, simples assim, eu já sabia
que tinha encontrado minha galera naquela turma. Só faltava minha galera me
encontrar também.
Um dia, enquanto
esperávamos em fila pela nossa vez de receber VISTO OURO da professora de
Matemática, resolvi que era o meu momento de arriscar. Amanda e Jaqueline
estavam um pouco atrás de mim e, para variar, falavam de RBD. Cintia também não
estava muito longe, o que tornava o momento ainda mais perfeito. Resolvi ser
discreta, mas demonstrar interesse ao mesmo tempo. Ser sexy sem ser vulgar. As
dicas da Capricho para ajudar a chamar a atenção do gato certamente
dariam certo quando o assunto era amizade também. O que eu poderia fazer para
deixar claro que nós gostávamos da mesma coisa e que cada segundo que
passávamos sem formar uma gangue e ir para o México era um desperdício imenso?
Tomada por esse pensamento, peguei o giz e escrevi no quadro, como quem não
quer nada:
SANTA NO SOY !
Discreta.
Interessada. Sexy sem ser vulgar.
Não sei se aquela foi
a escolha de música perfeita, mas certamente deixou um impacto. Depois de
receber meu visto ouro e voltar para o meu lugar, vi Amanda e Jaqueline notando
a frase no quadro e perguntando quem tinha escrito aquilo. Eu levantei a mão
com muita calma, pois não queria deixar claro que era tudo um plano, e depois
de receberem o visto, elas vieram conversar comigo. Cintia veio também, e no
outro dia, já estávamos todas nos revezando para escutar Nuestro Amor no
seu CD player. E assim começamos nossa amizade, marcada por muitos gritos,
risadas, e uma visita à diretoria (nós realmente gritávamos demais).
Pronto, acho que
agora podemos voltar para a festa.
Como eu ia dizendo, o
aniversário de Amanda Borges não só seria minha primeira presença VIP em
eventos depois de ter me mudado de escola, mas também a primeira festa de 15
anos que eu iria na minha vida. E nós aprendemos desde muito cedo que festas de
15 anos são importantes. A de Amanda não seria daquelas tradicionais, com valsa
e frufrus. Seria algo pequeno, para os amigos. Mas ainda assim era uma festa,
era de 15 anos, e eu precisaria me arrumar.
Eu estava nervosa. Eu
não poderia ir para uma festa do mesmo jeito que eu ia para a aula, até porque
a calça jeans que eu usava sempre nem devia estar limpa. Eu teria de usar
alguma coisa nova, e para o meu desespero, as pessoas poderiam me notar. E eu
não queria ser notada. Quer dizer, eu sonhava com o dia em que eu descobriria
que era neta da Rainha de Genovia, e passaria por uma transformação que me
deixaria linda. Aí sim, esbanjando meu novo cabelo e meu título de princesa, eu
desfilaria pela minha cidade só para humilhar aqueles que um dia haviam
duvidado do meu potencial (incluindo você, Matheus, que me chamou de feia). Mas
eu ainda não estava naquela parte do filme. Não mesmo. Eu estava longe, muito
longe, e não poderia me arriscar.
Minha mãe, por outro
lado, não poderia estar mais feliz. Uma festa!!! Com pessoas!!! E quem
sabe, garotos!!! Finalmente ela teria uma chance de me embonecar. Ou,
pelo menos, de me convencer a fazer as sobrancelhas. E assim foi feito. Fui
para o salão de beleza e hidratei o cabelo, pintei as unhas, fiz as
sobrancelhas. Eu tinha muita resistência a fazer escova naquela época, porque
além de chato e demorado, ainda queimava minha cabeça. Sem contar que aparecer
com o cabelo liso seria mais um motivo para todo mundo reparar em mim, e não era
isso o que eu queria. Então, continuei com o cabelo cacheado mesmo e, a cada
dez segundos, rezava uma Ave Maria para ele não armar. Quanto a roupa, eu só
decidi o que iria usar no último segundo. A festa era simples, então não queria
nada espalhafatoso demais. E eu também era simples, portanto, não carregaria
nada espalhafatoso demais. Aí acabei usando um vestido longo, porém básico, da
minha mãe (algo que dizia “sou de humanas, mas nem tanto”), e coloquei um par
de brincos que ela me emprestou. Literalmente, foi tudo o que eu fiz. Soltei o
cabelo, fiz as sobrancelhas, vesti um vestido e usei brincos. Ah, passei batom
também. E lá fui eu para a tal festa, morrendo de insegurança, e torcendo para
ninguém dizer nada quando eu aparecesse. E não, eu não estava confiante. Antes
de sair de casa, quando me olhei no espelho, eu não me achei bonita nem nada
assim. Eu estava acostumada a me ver de cabelo solto, e passava batom de vez em
quando, quando saía com meus pais. No meu reflexo, não tinha nada que indicasse
que aquela tinha sido minha transformação. Nada dizia que eu finalmente era a
princesa de Genovia. Aliás, até hoje não sei como tive coragem de ir para uma
festa usando meu cabelo natural e solto, sabendo o quão desconfortável eu me
sentia quando o deixava assim. Era como se eu saísse do meu próprio corpo, só
para não ter de lidar com as consequências de carregar aquele peso na minha
cabeça. Mas eu fui, e o resultado foi, hum, difícil de acreditar.
Sabe nos filmes,
quando depois da transformação, a protagonista aparece em público pela primeira
vez e todo mundo olha para ela? Parece até que o tempo para. Ela vem em câmera
lenta, e aos poucos podemos ver a roupa que ela está vestindo, o novo corte de
cabelo e que, uau, ela não está mais usando óculos. E aí cortam para o Freddie
Prinze Jr., claramente apaixonado, olhando para a garota como se ela fosse
a coisa mais incrível que ele já viu. Bem, tirando a parte do Freddie,
foi exatamente o que aconteceu quando cheguei na festa de Amanda. Eu podia
sentir todo mundo olhando para mim, e era tão constrangedor que eu cogitei
seriamente cavar um buraco e me jogar lá dentro. Veja bem, na minha cabeça,
ninguém estava olhando para mim porque eu estava linda. Eles estavam olhando
para mim porque eu estava diferente. Porque eu havia ousado me arrumar. Porque,
na tentativa de me tornar apresentável, eu havia falhado miseravelmente. E
também porque meu cabelo muito provavelmente já estava alcançando o céu e indo
de encontro às estrelas.
Mas aí eu me
aproximei, e qual não foi a minha surpresa ao receber... Elogios?
“Meu deus,
Gabriela!!! Você tá, tipo, perfeita!! Eu não tô acreditando que é
você!!!” dizia Regina, garota popular com a qual eu raramente conversava.
“Eu sempre falei que
ela era bonita!!! Só tinha que se arrumar.” respondeu Maraísa, uma das gêmeas,
como se eu não estivesse lá.
“Nossa, mas ela tá
tipo, perfeita!!!” continuava Regina, sempre muito empolgada. Ninguém nunca
havia me chamado de perfeita antes, muito menos duas vezes.
Eu apenas agradeci e
tentei processar todos os comentários. Então quer dizer que eu estava
bonita? Mesmo com o cabelo natural? Que. Bizarro. E por que eu não
conseguia ver essa beleza toda? Mas tudo bem. Aquilo era legal. Claro que não
faltaram comentários do tipo “Você tá tão bonita (êêêê), nem parece você (aaaaaah)” mas,
ei. Saber que uma versão minha poderia ser bonita, ainda que ela não se
parecesse comigo, não era tão ruim. Era melhor do que nada.
Aos poucos, comecei a
me sentir mais à vontade. Naquela noite, eu não precisava ser Gabriela Stewart. Eu
poderia ser Hannah Montana –
uma prima distante que era bonita e que não se parecia muito comigo. Então, eu
dancei bastante com as minhas amigas (outra coisa inédita para os colegas lá
presentes), e até consegui conversar com pessoas novas. Por uma noite, mesmo
que brevemente, eu consegui sentir que me encaixava. E tudo isso só aconteceu
porque eu fui capaz de me sentir um pouco melhor em relação a minha aparência.
Porque me validaram. Porque, pela primeira vez em muito tempo, eu não me senti
inferior.
Claro que Hannah
Montana não ficou para tomar café. No outro dia, eu era apenas Gabriela Stewart
novamente: o mesmo rabo de cavalo, a mesma sensação de que não deveria estar
ali. E eu continuaria a ser Gabriela Stewart por muito tempo, até conseguir
entender que ela e Hannah Montana eram exatamente a mesma pessoa. Lembro que,
naquele dia, Amanda ligou me convidando para ir para a casa dela, porque o
resto do bonde já estava lá. E as meninas ficaram gritando no telefone que não
conheciam meu “outro lado”, e que eu dançava mais do que a Gretchen. E eu me
senti feliz e querida. Eu senti que tinha uma identidade.
Meu sonho sempre foi
me tornar princesa de Genovia, e finalmente humilhar aqueles que um dia
duvidaram do meu potencial. Mas, no fim das contas, a pessoa que mais duvidava
do meu potencial era eu mesma. E eu não quero humilhar minha versão da 8ª
série. Minha doce, querida, sonhadora versão da 8ª série. Afinal de contas, ela
só queria sentir que pertencia a algum lugar. Eu quero ser a melhor amiga que
ela nunca teve – a melhor amiga que eu não fui. E eu quero que ela confie em
mim. Porque eu a conheço. E por mais que eu tenha crescido, mudado, e consiga
ver as coisas de outra maneira, eu sei pelo que ela passou - e eu sei que ela
continua aqui. Sempre que eu me sinto inferior, desconfortável, ou desvio o
olhar quando alguém olha para mim, eu me lembro daquela garota. E eu não quero
que ela vá embora. Eu só quero que ela se sinta em casa.
Sabe nos filmes,
quando depois da transformação, a protagonista aparece em público pela primeira
vez e todo mundo olha pra ela? Parece até que o tempo para. Ela vem em câmera
lenta, e aos poucos podemos ver a roupa que ela está vestindo, o novo corte de cabelo
e que, uau, ela não está mais usando óculos. E aí cortam para o Freddie
Prinze Jr., claramente apaixonado, olhando para a garota como se ela fosse
a coisa mais incrível que ele já viu. Bem, às vezes, o Freddie
Prinze Jr. tem que ser você.
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